50 anos do Canal 5, a TV pública da minha região, um momento para refletir sobre o papel e o futuro das TVs estatais
- Luan César da Costa
- 7 de mar. de 2024
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No ano passado na véspera do dia 8 de março o programa de debates polêmicos e humorísticos "Trem Bala" Alan Neto começou com um longo sermão sobre o aniversário de 49 anos do Canal 5 e logo antes o noticiário passou ao vivo uma festa dos funcionários cheia de idosos e no dia seguinte, o programa teve 10 minutos cortados para exibir uma reportagem sobre as mulheres e um sermão dedicado às telespectadoras mulheres de 30 minutos do velho que grita "Olha o deeeedo do Trem Bala!" num programa que é assistido por pouquíssimas mulheres por ser um debate esportivo e político.
O "Trem" entre 2017 e o ano passado foi o carro-chefe da programação da emissora pública do Ceará apesar do conteúdo na fase mais conhecida do programa que vai ao ar há décadas na rádio e na TV em Fortaleza ser baseado em brigas e personagens como o jornalista e ex-presidente da Câmara dos Vereadores de Mossoró Evaristo Nogueira, o "Homem Mau". Hoje o ex-político continua sendo o carro-chefe da emissora pública com perca de relevância devido ao rompimento dele com Alan Neto.
O que isto significa? A TV Cultura de São Paulo acabou com a sua qualidade e a TV Educativa do Rio de Janeiro (TVE) desde a mudança de nome para TV Brasil perdeu qualidade e público: a programação infantil caiu muito, o programa de entrevistas "Roda Viva" virou um programa de propaganda política do governo paulista, programas que mostravam a cultura brasileira saíram do ar, diminuíram os documentários, diminuíram o espaço para a música clássica, tiraram do ar o popular Professor Pasquale e trocaram por propaganda ideológica dos governantes. Elas abastecem a programação das TVs públicas estaduais brasileiras e a emissora cearense não seria exceção.
Em 7 de março de 1974 entrou no ar a TV Educativa do Ceará (TVE Ceará) - Canal 5, uma das primeiras emissoras públicas do Brasil. Inspirada na TV Educativa do Maranhão, ela fez parte duma época de grandes obras públicas no Ceará e no Brasil: em setembro de 1971 foi inaugurado o Ginásio Paulo Sarasate, a Rodoviária de Fortaleza foi inaugurada em 23 de março de 1973, o Estádio Castelão foi inaugurado em novembro de 1973, o Centro de Convenções de Fortaleza foi inaugurado em 9 de março de 1974, a energia elétrica vinda das hidroelétricas do Rio São Francisco abasteceu uma parte do interior do Ceará e obras privadas em Fortaleza: a Unifor foi inaugurada em 21 de março de 1973 e o 1° shopping em 1974 que foi o Center Um que veio junto com o 1° hipermercado, o Jumbo Pão de Açúcar. Foi criada assim como várias emissoras públicas locais membras da PBS (rede de televisão pública norte-americana) para transmitir teleaulas, suprindo a carência de professores especializados que havia na época e para ser a geradora da rede estadual de micro-ondas que transmitia a programação da afiliada da Rede Globo TV Verdes Mares para cidades e sedes de distrito do interior através de aparelhos instalados em praças onde as pessoas assistiam as novelas, trazendo divertimento diário para lugares que desconheciam isto.
Pouco tempo depois da inauguração passou a exibir as novelas pedagógicas da Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa (FCBTVE) do governo federal, a posterior Fundação Roquette Pinto, idealizada e dirigida pelo professor Gilson Amado que depois ganhou a TV Excelsior Rio de Janeiro - Canal 2, que mudou o seu nome para TV Educativa do Rio de Janeiro; no fim da década de 1970 o governo federal deixou de vender as fitas com novelas pedagógicas e aulas e a rede de emissoras passou a ser transmitida pelo sistema nacional de micro-ondas da Embratel como Sistema Nacional de Televisão Educativa (SINTED), uma programação nacional simultânea com a adição de noticiários, documentários e programas culturais e esta rede era chamada no ar de "Rede Brasil".
Em 1985 o então governador Gonzaga Mota, tirou a TV Cidade (então afiliada da Rede Bandeirantes, Band e do SBT) do 2° canal de micro-ondas do Sistema Ecetel para o interior depois de pressões por causa das críticas ao governo e colocou no lugar a TV Manchete de Fortaleza e só houve a tão falada licitação em 1991. Este foi um exemplo da interferência direta de todos os governadores, exceto o atual Elmano de Freitas, na emissora.
Na época do Covid-19 o governador e atual ministro da Educação Camilo de Santana cortava a programação junto com os prefeitos de Fortaleza na época para dizer quais serviços eram essenciais e quando as pessoas poderiam sair de casa e em 20 de julho de 2022 no programa "Trem Bala" Alan Neto o apresentador do programa na data e comentarista Sérgio da Ponte deu duras críticas ao então secretário de Esporte, Lazer e Juventude Quintino Vieira acusando-o de ser negligente com os apagões que haviam no Estádio Castelão que causavam atrasos e quebra-quebra, mas de repente colocaram a vinheta do programa e o jornalista disse que foi "problema técnico". E eu nem falei sobre os constantes comerciais do governo do estado e da Prefeitura de Fortaleza na época do pacto entre o líder político Ciro Gomes e o governador Camilo de Santana.
Os programas locais sempre seguiram a linha da TVE carioca, são chatos e têm forte menção aos governos. Agora vamos falar sobre a TVE/RJ e sobre a TV Cultura/SP, canais que o canal 5 de Fortaleza transmitiu durante quase toda a sua história. Não confunda com a TV Ceará - canal 2, esta emissora transmitia a TV Tupi no Ceará e revelou o humorista cearense Renato Aragão, que fazia na Rede Globo o personagem Didi Mocó e pedia dinheiro para a campanha "Criança Esperança", o canal 2 passou a ser da Rede Manchete e depois passou a transmitir a RedeTV!, já o canal 5 mudou o seu nome para TV Ceará em 1993 quando o então governador Ciro Gomes estava em alta fazendo propagandas por ter construído o Canal do Trabalhador em 90 dias e acabado com um racionamento de água em Fortaleza e nessa época a TV Cultura passou a transmitir seus programas para as emissoras educativas de todo o Brasil e não mais só para alguns estados.
TV Cultura de São Paulo
A TV Cultura de São Paulo foi criada em 1960 pelos Diários Associados de Assis Chateaubriand, os mesmos donos da TV Tupi, como um canal secundário dedicado à programação cultural; em 1969 virou a emissora do governo do estado de São Paulo, quando passou a ganhar mais relevância aos poucos e na década de 1970 ganhou uma rede de repetidoras para cobrir o estado de São Paulo. A partir da década de 1980 quando viram que a programação da TVE carioca, que a emissora paulista retransmitia na época, era chata e desinteressante para o público geral, decidiram procurar fazer uma programação educativa e cultural sem parecer ser chato e tentando parecer os programas dos canais comerciais: com programas infantis premiados por serem educativos como "Castelo Rá-Tim-Bum", "Cocoricó" e interessantes desenhos europeus e até canadenses que divertiam e ensinavam; programas esportivos como a mesa-redonda "Cartão Verde" onde Pelé deu uma placa em homenagem a um gol improvável do corintiano Marcelinho Carioca em 1996 e "Grandes Momentos do Esporte" (similar aos programas de futebol antigo apresentados por Milton Neves); jornalísticos como "Roda Viva" que tinham importantes entrevistas; programas e documentários que mostravam a cultura brasileira etc. Uma programação feita com cuidado que também tinha seus erros e não era perfeita, mas que era a melhor programação da TV. Nessa época a TVC teve o seu auge só por transmitir a programação da TV Cultura, que ganhou crianças telespectadoras fiéis em todo o Brasil.
TVE carioca e TV Cultura
A TVE carioca passou a retransmitir alguns programas da TV Cultura e incorporou em parte o padrão paulista com programas como "Sem Censura" apresentado por uma das principais entrevistadoras da TV brasileira apesar da voz irritante: Leda Nagle.
Mas depois da mudança de nome da Rede Brasil para TV Brasil, a TV Cultura perdeu espaço graças à "criação da TV pública brasileira" feita no 2° governo do atual presidente Lula como se não houvesse o SINTED/Rede Brasil antes, aliás, a tal "criação da TV pública" foi uma refundação da Rede Brasil onde permaneceram programas como "Sem Censura" com Leda Nagle, "Observatório da Imprensa", a mesa-redonda do domingo que era uma edição carioca do "Cartão Verde", documentários e outros além das emissoras serem as mesmas emissoras do governo federal. A TV Brasil passou a usar o mesmo nome das emissoras afiliadas ao SBT na época em Santos e Campinas e deixou de usar o nome Rede Brasil que passou a ser usado por uma pequena rede de televisão comercial que passa filmes e seriados norte-americanos antigos de maneira ilegal e tem atualmente como funcionários o jornalista Hermano Henning e o ex-jurado dos programas do SBT Décio Piccinini.
A tal TV Brasil teve uma queda de qualidade e aos poucos passou a apresentar uma programação governista e não mais educativa, no governo Bolsonaro atraiu a audiência de alguns gatos pingados bolsonaristas - estes sim são bolsonaristas - "tios do Zap" com programas sobre paisagens e hoje voltou à programação governista pelo que eu ouvi falar.
Missão e futuro
No ano passado o governador reacionário do estado norte-americano de Oklahoma queria acabar com a Oklahoma Educational Television Authority (OETA), a rede de televisão pública estadual desse estado por causa do forte uso do streaming e da promoção da ideologia de gênero em desenhos exibidos pelo SINTED norte-americano, a PBS, que exibe programas feitos pelas afiliadas regionais para todos os Estados Unidos, sistema similar ao usado aqui no Brasil onde um ou outro programa da Rede Minas Gerais passa para todo o Brasil. O que a maioria dos reacionários não entende é que a TV pública é para exibir programas de qualidade, dar voz para todos e promover a música clássica e as tradições locais já que as grandes redes de televisão estão interessadas em promover cantores de música chiclete porque eles dão mais dinheiro, o que não é errado.
Os programas "Ceará Caboclo" e "Sanfonas do Brasil" da TVC promovem as tradições locais, mas são irritantes porque os profissionais da emissora não sabem apresentar nada como interessante, por exemplo: um dia desses um jovem sanfoneiro primo duma querida colega do colégio se apresentou no 1° programa referido. Aqui em Fortaleza, a terra do forró eletrônico, da banda "Mastruz com Leite" e do cantor Wesley Safadão, o forró pé de serra e festa junina são vistas como "coisas de velho" e antiquadas enquanto o povo daqui abraça os sertanejos universitários irritantes (eu continuo desejando que o amigo dos sertanejos famosos Matheus Minatto faça sucesso um dia) como Gusttavo Lima; ou seja, precisamos de uma excelente promoção e apresentação da cultura local que eu por exemplo nunca vi diretamente.
Com relação ao uso da Internet, as emissoras de rádio e televisão são produtoras de conteúdo que hoje para fazer sucesso tem que ser multiplataforma, ou seja, daqui a alguns anos a Rede Globo pode ser vista apenas pelo Globoplay e a TVC apenas pelo YouTube, aliás, a emissora educativa cearense se deu bem no YouTube com programas esportivos como o "Trem Bala" e com vídeos de forró eletrônico antigo e é um exemplo interessante para ser estudado apesar da programação local normal modorrenta também não ter audiência na Internet. Ou seja, pode não ser mais necessária a TV digital, mas a transmissão linear pode continuar em aplicativos.
Bibliografia:
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